quinta-feira, 29 de novembro de 2007

Ole, ole, ole, olaaaa, Lulaa, Lulaa.

Bem educados

Sírio Possenti

Mas a notícia política da semana foi certamente o pronunciamento de FHC no encerramento do congresso do PSDB. As matérias destacaram que ele atacou Lula sem dizer seu nome, especialmente no quesito educação. Foi mais do que claro que FHC estava qualificando Lula de ignorante, especificamente pela alusão a seu modo de falar. Muita gente escreveu que FHC revirou um velho preconceito, independentemente da avaliação que se fizesse da educação de Lula.

Mas FHC foi atacado também porque, criticando o português de Lula, também teria cometido um erro (em casa de ferreiro, espeto de pau). A passagem de sua fala que mereceu críticas foi, curiosamente, editada - isto é, corrigida - em mais de uma publicação. Uma delas foi:

Queremos brasileiros bem educados, e não liderados por gente que despreza a educação, a começar pela própria.

FHC deve ter dito "melhor educados", já que foi por esta construção que foi criticado. A transcrição "bem educados" mostra bastante que há várias maneiras de a mídia não ser neutra quando "informa": se quem "erra" é um figurão, sua fala já sai corrigida; se for alguém do povo, ela sai destacada com aspas ou negrito, como faz especialmente a TV Globo, sempre que transcreve falas do morro em documentários ou notícias. Feito o registro, vamos adiante.


Achei curiosas duas posições, por razões diferentes. Artigo do professor Pasquale na Folha de 25/11/2007 faz uma avaliação geral da questão, que pode ser resumida assim: que Lula fala como fala não é novidade, mas será que os tucanos também não escorregam? Seu argumento para sustentar que sim é exatamente "melhor educados", que ele analisa como a professora Nicoleti, citada logo antes, em reportagem: as gramáticas mandariam dizer "mais bem educados", portanto, FHC escorregou.

Eduardo Graeff, competentíssimo assessor especial de FHC na presidência, dizem, escreveu carta ao Painel do leitor dizendo que FHC disse "melhor educados" não porque não soubesse que deveria dizer "mais bem educados", mas para evitar que fosse interpretado como se dissesse "mais bem-educados", que quer dizer outra coisa, e porque neste caso sim poderia parecer preconceituoso. Acho que Graeff foi mais realista do que o rei (o cordão dos puxa-sacos... etc.). Temos um novo Adilson Laranjeira na praça?

Aliás, Graeff errou duas vezes (não são dois erros, é um erro cometido duas vezes, o que faz uma boa diferença a favor dele) ao acrescentar "(sic)" a "taxar" e a "mal-criado", como quem avisa que quer mesmo escrever "taxar" e não "tachar", e "mal-criado" e não "mal criado". Acontece que não se usa a expressão sic para chamar atenção para uma forma correta, mas para informar que determinado erro é de outro, ou está na citação, não é um erro do autor do texto.

Um bom exemplo de emprego adequado de sic seria "'Graeff diz que (FHC) seria criticado por taxar (sic)' (sic)". Ou seja, estou dizendo que o sic de Graeff está no texto dele, não é meu. Meu é o segundo sic, e significa "está assim mesmo no texto dele e eu acho que ele errou ao incluir sic".

Veja-se o que diz sobre a expressão o dicionário Houaiss, já que foi nele que Graeff se baseou para informar quais são os sentido de "bem-educado": "sic: assim (Palavra que, entre parênteses ou colchetes, se intercala numa citação ou se pospõe a esta para indicar que o texto original está reproduzido exatamente, por errado ou estranho que possa parecer)".

Pasquale, por sua vez, aproveitou a oportunidade para cometer mais um erro de análise: informa que Lula, há dias, disse "os empresários espanhol". E acrescenta: "Que os falsos defensores dos fracos e oprimidos não venham dizer que Lula apenas empregou a variedade de língua dominante no Brasil. Pura balela, já que a maioria dos brasileiros diria "os empresário espanhol". A língua coloquial dispensa o plural redundante (no caso, a flexão da totalidade dos elementos que se referem ao substantivo".

Qualificar os analistas da língua que sustentam teses básicas, já dignas de almanaque, sobre a estrutura das variedades de todas as línguas de defensores dos fracos e oprimidos é grossa bobagem, mas é coisa que não adiante discutir. Ele já deveria saber que lingüistas e dialetólogos adotam essa posição por razões profissionais - apenas porque conhecem o objeto que analisam - e não por defenderem politicamente os grupos x ou y, sejam eles indígenas, iletrados ou jovens. É uma questão de saber olhar a analisar fatos, de ser profissional.

O verdadeiro erro de Pasquale está em transformar de novo em categórico um tipo de análise que as teorias variacionistas criaram e que se funda exatamente na concepção de que as regras são variáveis e que as variáveis são tantas quantas houver. Segundo essa forma de escrever gramáticas, considerados os fatos, uma seqüência como a que Lula proferiu pode "sofrer" três tipos de marcação de plural:

os empresários espanhóis
os empresários espanhol
os empresário espanhol

Não considerar a segunda forma é desconhecer ao mesmo tempo o cerne da teoria variacionista e os dados de várias línguas (inclusive a "nossa"), nas quais ocorrem as três formas. Aliás, ele próprio anota o dado, ocorrido na fala de Lula, para depois desconhecê-lo, dizer que não existe.

Um laboviano provavelmente explicaria uma forma como a empregada por Lula (a segunda do paradigma) como índice de insegurança, por um lado, e, por outro, como índice de que falantes como ele se descolam, pelo menos eventualmente, das construções tidas mais claramente como "erradas" - aquelas em que só aparece uma marca de plural.

Para que a coisa fique um pouco mais clara, vejamos o que ocorre em casos de concordância verbal. Na gramática de Pasquale, só haveria construções como

Ele vieram - Nós viemos
Eles veio - Nós veio

Acontece que há também construções como

Eles viero - Nós viemo

nas quais há concordância de terceira e primeira de plural, só que não se trata da concordância padrão (o ditongo "ão" (escrito -am) se reduz a uma vogal "o", num caso, no outro não ocorre "s" final do morfema -mos).

Dois requisitos são necessários a um (bom) analista: dominar uma teoria e saber observar os fatos. Nenhuma das duas estão presentes nas análises de Graeff e de Pasquale.


http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI2109302-EI8425,00.html

2 comentários:

Anônimo disse...

FHC beirou, o texto tá grande, se tiverem com preguiça leiam só o q tá em negrito.



esperando a Paula aloprar o FHC.

Unknown disse...

"'Graeff diz que (FHC) seria criticado por taxar (sic)' (sic)".

HAHAHA!


interessante o texto.