Fazendo faculdade de letras, não se passa uma semana sem que uma professora de língua portuguesa não discuta os problemas do ensino, para o qual ela tem as soluções. Quem é leitor habitual aqui já sabe que eu penso que o primeiro problema é o ensino ser controlado pelo governo, por isso vou poupar o leitor. Mas parece haver, além do problema de princípio, um problema de método. Não consigo perceber qual a utilidade de se ensinar gramática nas escolas. Se os alunos tivessem que aprender latim e/ou grego, até haveria utilidade, pois o ensino de uma língua ajudaria o ensino da outra. Como isso não acontece, o aluno é obrigado a aprender um monte de regras e classificações vazias e tem pouco contato com o uso literário (isto é, melhor) da língua. De nada adianta saber a diferença entre o adjunto adnominal e o complemento nominal, ou apontar uma oração subordinada substantiva apositiva (coisa que só aprendi muito depois da escola, já que sempre abominei o estudo da gramática tanto quanto abominava a química orgânica e a física do fio sem massa e da superfície sem atrito) sem ser capaz de escrever claramente.
Notem que eu falei “claramente”, não “corretamente”. A situação hoje é muito grave. Recentemente li dois resumos de teses de mestrado, escritas pelos próprios aprovadíssimos candidatos, em que o sujeito vinha com crase, isto é, algo comparável a dizer à Maria saiu em vez de a Maria saiu. As pessoas não sabem escrever, a pontuação tornou-se totalmente esotérica, e as empresas ficam contratando professores para ensinar regrinhas de gramática. Infelizmente, o uso claro da língua é como dirigir: você não pode pensar muito, ou vai causar um acidente. Fala-se e escreve-se no dia-a-dia da mesma maneira que se calcula uma freada. Uma dose maciça de leitura comentada de Machado de Assis ajudaria mais a escrever melhor do que estudar gramática. Isso e ensinar às pessoas que existe uma coisa chamada dicionário. Não é preciso saber a regência de todos os verbos: basta consultar o dicionário, raios. Eu consulto literalmente todos os dias.
A solução, pois, é simplesmente ler e escrever muito até se impregnar do idioma. Depois de muita, muita impregnação, pode-se analisá-lo, e não é razoável supor que as pessoas já têm o domínio da língua materna. Têm-no num nível extremamente básico, de sintaxe não-padrão. Há uma canção do inefável Anjinho e seus teclados que começa com o verso “a menina que eu estou gostando dela”. A diferença entre só dizer “a menina que eu estou gostando dela” e dizer “a menina de quem eu gosto” é a mesma que há entre só poder conversar com Anjinho e seus teclados e poder conversar com Camões e Machado de Assis.
Aliás, francamente, nada seria mais eficaz do que usar o famoso “preconceito lingüístico” para ensinar português. Na hora em que as pessoas tiverem pavor de ser confundidas com um boçal que fala em agregar valor, otimizar processos e se comunica através de PowerPoint, com um pseudo-poeta que pavoneia sua ignorância da métrica, com um militante de esquerda perverso que acha que a conjugação verbal é uma invenção burguesa e, por que não?, com blogueiros que mandam “beijos no coração”, aí sim o nível da linguagem comum vai melhorar um pouco.
Mas os professores só discutem como reformar o ensino da gramática a partir das novas teorias. Admito que as novas teorias são melhores do que a norma gramatical brasileira. Falar em sintagma preposicional, argumento externo e predicador faz mais sentido, ou ao menos é mais econômico. Mas ninguém cogita abolir o ensino da gramática em nível infanto-juvenil e trocá-lo por uma impregnação do que a língua tem de melhor. Ninguém acha que é melhor escrever como Graciliano Ramos do que discutir com o professor da escola uma filigrana de classificação.
Pedro Sette Câmara (http://www.oindividuo.com/)
2 comentários:
interessante
concordo com o carinha de cabo a rabo
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