O frescobol e o sentido da vida
Nem todos gostam da fama. Tenho um amigo assim. O cara é tão obsessivo pelo anonimato que se pudesse desenhava um contorno no lugar da foto no RG. Razão pela qual vamos preservá-lo por aqui. Mas ao contrário da sua crença na invisibilidade, esse é um sujeito de idéias nítidas e fulminantes. Essa semana ele apareceu lá em casa - como sempre, sem avisar - e foi logo dizendo: "resolvi o problema do futebol". Antes que eu pudesse entender melhor a questão, ele decretou:
- É simples, é só acabar com os gols.
Não adiantava lhe enviar um olhar como se ele fosse louco, já estava acostumado com isso. "O problema é justamente esse: jogar pelo resultado. Tira-se o resultado e sobra o quê?" No meu rosto nada mais do que um ponto de interrogação. "O espetáculo, as jogadas, os dribles, enfim, o jogo em si." E sem ninguém a lhe impedir, concluiu: "Sem gol não tem retranca, não tem juiz ladrão, ou faltas violentas: tudo que é ruim no futebol."
Arrisquei perguntar como afinal se saberia quem iria vencer, mas ele já tinha a resposta na ponta da língua: "Não se saberia, aí é que está. O problema da vida é justamente esse, a busca de resultados. Em qualquer lugar, não só no futebol". O sujeito parecia febril, no lugar dos olhos, dois sóis ocupavam as cavidades oculares. "Veja o frescobol, alguém já brigou jogando frescobol?" Eu disse que nunca soube. Ele concluiu com veemência: "é porque ninguém ganha, ou melhor, ganham os dois que jogam". E antes que eu dissesse qualquer coisa veio a frase definitiva:
- Chega dessa política liberal que só enxerga os resultados: é preciso frescobolizar o mundo.
E foi saindo, assim, sem avisar, como havia chegado. Eu é que tirasse minhas próprias conclusões, ele não estava interessado em réplicas. Fui atrás, dei-lhe um tapinha nas costas e disse: "Você está afiado hoje, hein?". Mas ele não deu bola, elogios nunca o seduziram.
Continuei procurando algo que o detivesse, só por teimosia. Então eu disse, num exercício de drama - aquele tipo de drama que fica a um milímetro da farsa: "Só falta explicar o sentido da vida."
Isso o deteve: John Wayne numa remota rua empoeirada, provocado por um pele vermelha. Tal qual os mocinhos fazem, ele esperou que eu sacasse a arma primeiro.
- De onde viemos? - perguntei.
Ele quase riu, pelo jeito era algo em que já havia pensado muito, então disse:
- Não interessa.
- Para onde vamos? - insisti.
- Também não.
E se mandou.
José Pedro Goulart
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