Na garupa de uma moto a caminho de Tianguá, no norte do Ceará, o primo de segundo grau Robério Belchior dá a sentença: "Belchior encerrou a carreira. Está bem de saúde, de finanças, mas decidiu não gravar mais ou fazer shows. Há mais de um ano que nem nós, da família, temos contato com ele. Só uma irmã, Ângela, que de vez em quando recebe telefonemas. Ninguém sabe nem onde mora, só que parou com tudo". Do celular, falando mais alto do que a ventania, Robério diz não fazer idéia do motivo. "Não sei se foi problema de cabeça, se cansou, sei que ninguém consegue mais contato com ele".
Belchior sumiu. Nem os amigos, parentes, fãs, ex-sócio, gravadora, nem o Google sabem o paradeiro deste que integra a lista afetiva dos maiores compositores do Brasil, autor do maior sucesso na voz de Elis Regina, "Como nossos pais" e de hits dos anos 70, como "Apenas um rapaz latino-americano", "Velha roupa colorida" e "A palo seco". Aos pedidos de shows que recebe de todo Brasil, o antigo empresário, Georges Jean, tem mandado o cantor Guilherme Arantes no lugar. "Olha, se você achar o Belchior, por favor me passe o contato, porque eu estou atrás dele há dois anos", apela Georges, pelo telefone.
Ex-sócio e amigo de longa data, o músico e escritor Jorge Mello está chateado: "Estou morrendo de saudades. Você imagina o que é trabalhar com uma pessoa na mesa ao lado por 18 anos e de repente essa pessoa sumir?". A última vez que estiveram juntos foi em 2007, em um show no Teatro José de Alencar, Fortaleza. "Acho que ele deve ter tido alguma crise de cabeça, deve estar estressado, não quer mais falar com ninguém e saiu de Campinas", arrisca Mello, referindo-se à última morada de Belchior.
Talvez tenha ido para longe. "Alguns amigos dizem que ele foi embora para a Holanda", lembra a amiga e radialista Josy Teixeira, autora de uma dissertação de mestrado sobre as letras de Belchior, que acabou virando livro. "Até 2006, mais ou menos, nós tínhamos muito contato por causa da minha tese, mas nunca mais consegui falar com ele. E eu preciso falar, porque recebi um email de uma suposta produtora proibindo um show que faríamos com músicas dele na festa de lançamento do livro. Paguei o Ecad direitinho para liberar os shows e quero saber exatamente que história foi essa". O amigo Célio Camerati, ex-sócio de Belchior no selo Camerati, conta que recebe pelo menos três ligações por semana de jornalistas e produtores de shows em busca do compositor. "Se eu tivesse qualquer pista, eu passaria, pode acreditar. É o que digo a todos".
Não fosse Tom Zé ter reconhecido o indefectível bigodão perdido na platéia de um show que fez em Brasília em março deste ano, os milhares de fãs que mantêm sites e comunidades no Orkut em busca do cantor já teriam até pensado que – toc, toc, toc – "Bel", como chamam, bateu as botas. Vestido com uma saia estampada à "calçadão de Copacabana", Tom Zé avistou o cabra, parou o show e o chamou ao palco. Meio tímido e bastante cabeludo, Belchior subiu e não fez feio. Entoou, vozeirão em dia, uma versão de "Sweet mystery of life". Tom Zé, em reverência, foi assistir da platéia.
A letra da música escolhida já dava uma pista de que Belk’s, outro apelido, não quer mais saber de festa: "Minha vida que parece muito calma/ tem segredos que eu não posso revelar...". A gritaria insandecida dos fãs obrigou-o a cantar um trechinho de "A palo seco". Nem bem terminou a primeira estrofe (que era, aliás, outra pista: "Se você vier me perguntar por onde andei, no tempo em que você sonhava / De olhos abertos, lhe direi: amigo, eu me desesperava..."), agradeceu os aplausos e sumiu de novo. Não deu nem tempo de perguntar se tem email.
O desaparecimento de Belchior foi repentino. Desde o sucesso nos anos 70, quando foi gravado por gente do quilate de Elis Regina, Roberto Carlos, Vanusa, Jair Rodrigues, até meados dos anos 2000, o cantor fazia cerca de cem shows por ano, em todo o Brasil. Em 40 anos de carreira, lançou 15 discos. Em 1983 lançou uma gravadora própria, a Paraíso Discos, e em 1997 criou o selo Camerati, que lançou discos antológicos de José Miguel Wisnik e do Grupo Rumo. Belchior, cujo nome deve ser pronunciado como "Agenor", "Claudionor", e não como "suor" ou "Christian Dior", tinha até uma casa de cultura com seu nome, em Fortaleza, e aparecia esporadicamente em programas de TV. Uma carreira sólida, portanto.
O estilo sincero dos versos, as milhares de referências intertextuais, a voz forte (e o bigode, claro) transformaram Belchior em ídolo "cult". Em 2006, dublou o mágico Zás-Trás no desenho animado "Garoto Cósmico", com Vanessa da Matta, Raul Cortez e Arnaldo Antunes. Um doce para quem adivinhar qual música o pequeno mágico cantava. No mesmo ano, a canção "A palo seco" foi gravada pelo Los Hermanos (o que mais poderia ser mais cult em 2006?). Os também bigodudos, e barbudos, levaram Belk’s a tiracolo para seus shows. Um sucesso absoluto.
Mas o Bob Dylan tropical deu cabo de tudo. Já tinha fechado a Casa de Cultura e Arte Belchior, no ano anterior, desfez a sociedade do selo Camerati, desativou o site oficial, trocou telefones. As apresentações começaram a rarear. Alguns poucos shows no interior do país, uma aparição constrangida no Jô Soares, em 2008, com uma entrevista limitada a canjas batidas e piadinhas do apresentador (Quando Belchior canta a música "Divina comédia humana", por exemplo, no verso "Aí um analista amigo meu...", Jô emenda: "Aí um analista me comeu...").
Ao público, nenhuma novidade. Em outubro, participou de um festival de música em Canela, no Rio Grande do Sul, que muitos fãs acreditam ter sido a derradeira apresentação. Em dezembro, Belchior fez outra curiosa aparição-relâmpago na TV: durante uma reportagem do Jornal Nacional sobre o MORHAN (Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase), quem aparece ali, atrás da repórter? Ele mesmo, jaquetão de couro, bigodão imponente. Olha ali, apareceu de novo! Foi dar uma força à campanha em prol das vítimas de hanseníase e passou batido na notícia. Dali, sumiu mais uma vez. E o MORHAN teve de chamar outro garoto-propaganda para suas campanhas. Ficou o Ney Matogrosso. "Nós gostaríamos muito de continuar com o apoio do Belchior, mas não conseguimos mais falar com ele", comenta uma funcionária do grupo.
Os fãs criaram sites e comunidades no Orkut, onde compartilham todo filete de notícias sobre o ídolo. Uma já conta mais de 12.400 "belchianos". Fizeram até uma espécie de abaixo-assinado virtual pedindo um DVD do "Bel": "Até o Créu tem DVD!", protestam. Mas notícias do seu paradeiro, nada. Indignado com a falta de informações sobre o ídolo, André Lins, de Recife, inaugurou no último mês o site Sempre Belchior, que mantém por conta própria. André leva o hobby como uma ideologia: "Se cada fã fizer sua parte para divulgar a Música Popular Brasileira, dentro de alguns anos o nosso cenário musical será outro, e bem melhor". Se o Belks aparecer, então, melhor ainda.
retirado de http://www.pernambuco.com/ultimas/nota.asp?materia=20090813105306&assunto=134&onde=Viver
2 comentários:
Aos pedidos de shows que recebe de todo Brasil, o antigo empresário, Georges Jean, tem mandado o cantor Guilherme Arantes no lugar.
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Muito bom o trabalho de Belchior, continuo curtindo suas musicas
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