Ser ou não Ser... Mas que Seja Longe de Mim
Eu sempre me perguntei onde os freqüentadores da Mostra de São Paulo se escondem durante o resto do ano. Na época da Mostra, eles podem ser encontrados ao montes na Avenida Paulista, discutindo a nova fase do cinema egípcio (isso porque acabaram de assistir ao primeiro filme egípcio de suas vidas, mas não entenderam o final direito) ou reclamando que os filmes iranianos “estão se tornando comerciais demais e perderam sua identidade criativa”.
Mas, no resto do ano, o número de intelectualóides diminui consideravelmente. Claro, alguns continuam sendo vistos nas imediações da Paulista – especialmente no Espaço Unibanco – desfilando com suas roupas que nada mais são que contradições climáticas (afinal, eles usam boina e cachecol com bermuda e papetes). Mas estes são apenas criaturas desgarradas do rebanho e não correspondem a 10% da população total de intelectualóides da cidade.
E aí cabe a pergunta: onde ficam os outros? Será que passam o ano escondidos num enorme galpão, assistindo filmes do Godard até o começo da Mostra, quando eles recebem dos seus líderes o catálogo do festival, junto com as ordens de conquistar a Avenida Paulista? Ou se organizam em pequenas células terroristas, elaborando planos mirabolantes para conquistar um Cinemark e promover um festival de cinema húngaro?
Aos poucos, tenho descoberto que eles ficam, na verdade, procurando outras formas de cultura. Cinema, para eles, só existe durante a Mostra. Nos outros meses do ano, eles dedicam-se a freqüentar peças de teatro amador, exposições de arte e leituras de poesia, sempre com aquele ar blasé de quem está absorvendo cultura e disparando seus comentários repleto de polissílabas e expressões rebuscadas, mas que normalmente tem a profundidade de um pires.
Dias desses fui ao teatro com a Sra. Gordon e uma amiga dela. Sempre gostei de teatro, mas admito que vou muito menos do que gostaria, por basicamente dois motivos: primeiro, minha conta bancária mal consegue lidar com as paixões que eu tenho (jantares, cinema, DVDs, CDs, quadrinhos etc), e uma nova paixão iria deixar meu saldo em frangalhos; segundo, meus horários de puta jornalista não permitem nem que eu tenha a certeza de vou almoçar no dia seguinte, quanto mais saber que estarei livre no dia e horário da peça.
Enfim, esta semana consegui achar uma brecha e fomos assistir a uma peça produzida por uma amiga da Sra. Gordon Mas, apesar de ter gostado do espetáculo, saí de lá com uma certeza na cabeça: o teatro brasileiro sofre de um grande problema. E este problema é o público, que está cada vez mais dominado por intelectualóides.
Claro, eu já deveria ter desconfiado de que estaria me enfiando num reduto de intelectualóides se tivesse simplesmente juntado os fatos. Na minha cabeça, eu estava apenas indo ao teatro com a namorada, mas, na verdade, eu deveria ter me preparado para ir a uma peça de teatro amador em Pinheiros – o que, no mundo dos intelectualóides, deve ser um equivalente a uma semifinal de Copa do Mundo.
Comecei a desconfiar no que havia me metido já no saguão do teatro, minutos antes da peça. Olhando ao redor, estranhei o fato de que eu – usando apenas calça jeans e uma camisa – era o homem mais bem vestido do lugar. Justo eu, que não consigo ser o homem mais bem vestido do lugar nem mesmo se colocar um smoking e ficar sozinho em casa. Estudando as pessoas do lugar, avistei uns dois pares de papetes, alguns cachecóis e – claro – uma boina. E, obviamente, uma pessoa sentada em um canto, lendo um livro arrebentado.
Todas as pistas estavam ali, na minha frente: a boina, as papetes, o livro arrebentado (intelectualóides estão sempre lendo livros caindo aos pedaços) os ares de superioridade e as olhadelas pedantes por cima dos óculos de aros grossos e vermelhos – porque nem todo mundo que usa óculos vermelhos é intelectualóide, mas todo intelectualóide usa óculos vermelhos.
Percebi o que estava acontecendo. Eu estava no meio de uma ninhada de intelectualóides.
Obviamente isso fez com que a peça (que narra três histórias diferentes e é bastante interessante, mesmo com o texto arrastado demais em um ou outro momento) saísse perdendo, já que os melhores personagens estavam na platéia e não no palco. Convenhamos, não dava nem para competir. Afinal, qual nem Shakespeare, Tennessee Williams ou Nélson Rodrigues, juntos, poderiam criar algo tão estranho quanto aquele ser que se sentou na minha frente e começou a tirar a roupa no meio da peça?
Não, não estou exagerando.
No meio da peça, a criatura, de aproximadamente sete metros de altura e pesando uns 9 kilos (eu consegui identificar como bípede; calculo que era humano, mas não sei o sexo, já que a cabeleira mostrava apenas que ele (a) era parecido (a) com o Sideshow Bob, dos Simpsons) levantou a camiseta até o meio das costas e apoiou o rosto nos joelhos, numa clara demonstração de “estou consumindo cultura, e nem o calor pode me atrapalhar neste momento”. E eu ali atrás, olhando aquelas costas “bronzeadas” e “musculosas” (vela de sete dias mode: on).
Então, ao assistir uma peça de teatro amador, você escolhe: ou senta-se na frente e corre o risco de ter que participar do show – afinal, muitas peças querem bancar as modernosas e fazem os atores interagirem com a platéia (quer a platéia queira isso ou não) – ou você se senta lá trás é obrigado a presenciar uma palmeira-albina-metida-a-cult exibindo o corpinho que Deus lhe deu porque como ela está num ambiente cultural, faz questão de mostrar a todo mundo que está se sentindo em casa. Faltou só começar a coçar as frieiras na minha frente. Ô fase.
Curioso é que olhei ao redor e os outros intelectualóides continuavam vestidos. Claro, todos faziam aquela cara de conteúdo, com o rosto apoiado em uma das mãos e o olhar perdido, mas, ainda assim, vestidos. Típico. Num lugar com 90 intelectualóides, o mais estranho deles, que tem mania de tirar a roupa no teatro, vai se sentar logo na minha frente. É sempre assim.
Passei a última meia hora da peça me controlando para não acender um cigarro – já que as pessoas podem tirar a camisa, eu posso fumar – e começar a bater as cinzas nas costas do it (porque, como eu disse, não sei ainda se ele he ou she, então vamos de it) e me concentrei na peça. E, confesso que fiquei chateado quando acabou, porque eu realmente estava gostando. Mas nem tive tempo para pensar nisso, pois, enquanto me levantava, uma mulher atrás de mim comentou com a amiga:
– Nossa, eu adorei a montagem. Como eles usaram bem a linguagem cinematográfica na narrativa, você reparou?
Deus do céu. Porque não dizer apenas que “gostei da peça”? Tem que ficar inventando teorias de linguagem para gostar do que viu? Não basta apenas dizer que “foi bem legal”? Tem que ser sempre uma narrativa aristotélica que causa uma ruptura na semiótica teatral clássica dos anos 50? Imagino uma pessoa dessas assistindo Star Wars e comentando o filme com o George Lucas depois, dizendo que:
– ... mas o que me chamou a atenção mesmo foi o foco narrativo episódico, com diálogos entrecortados e metafóricos, abordando com sutileza cortante o modo de pensar das religiões asiáticas.
E o George Lucas respondendo: “Hã... Ok”.
Sério, que povinho sacal.
Gostei da peça? Gostei. Mas isso não me impediu de voltar para casa e ler um Homem-Aranha antes de dormir, sem ficar procurando referências pictográficas aos quadros de Goya em cada quadrinho.
Falando sério, se você é metido a cult e quer mostrar que é inteligente, intelectual e escolado no mundo das artes, uma dica: fique em silêncio. Isso dá um ar intelectual indiscutível. E, mais importante, você não corre o risco de dizer bobagem, algo que, inevitavelmente, você vai dizer, no máximo, na terceira frase.
Mas, caso você queria realmente sair por aí cagando regra sobre o filme, a peça ou o livro, segue o Top 5 expressões que todo intelectualóide usa, invariavelmente, ao comentar uma obra artística:
1. “Resgate”
2. “Ruptura”
3. “Rompe os parâmetros”
4. “Brinca com os estilos”
5. “Provoca o público”
http://champ-vinyl.blogspot.com/2008/05/ser-ou-no-ser-mas-que-seja-longe-de-mim.html
8 comentários:
afetação e óculos de cachorra
Depois do fogo, da roda e da escova de dentes, os oculos de cachorra foram a maior descoberta humana. Um colírio físico, nao químico.
é que vc nunca viu a caneta-calendário
e um tramontina amazonas entao?
é, intelectualoides sao chatos pra caralho...mas o malucao tb se achou a ultima pepsi gelada do deserto.
o maluco realmente se achaa a ultima pepsi gelada, mas eu a-do-rei
jura que vcs leem esses picos gigantes?
logico... é tao legal
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