por Mario Prata.
Gringo vendo futebol
Um americano (não era o Shirts), na semana passada estava assistindo a um jogo de futebol comigo, pela televisão. Entendia a língua portuguesa, não entendia muito de futebol. E me fazia perguntas que me faziam pensar. A mais intrigante, foi esta:
- Por que aquele homem olha na chuteira do reserva, quando ele vai substituir o outro?
Já notou, quando o reserva vai entrar, tem que mostrar a sola da chuteira para o quarto juiz? O juiz olha como se estivesse vendo o casco de um cavalo. Expliquei para ele que há muitos e muitos anos atrás que nos sapatos e nas chuteiras usavam-se pregos para grudar a sola. Isto há mais de quarenta anos. Portanto, um jogador (por maldade ou descuido) poderia entrar em campo com um prego meio solto e machucar o adversário.
- Mas, se há tanto tempo não tem mais prego, por que olham?
Eu estava entretido com o meu timee disse não sei. Mas percebi que ele estava intrigado com o negócio. E insistiu:
- Os outros onze, quando entram, no começo do jogo, eles também olham a chuteira para ver se têm pregos?
- Não.
- Então por que esta implicância com os reservas? Olha lá, outro reserva entrando e mostrando a sola da chuteira. Por quê? Why?
O americano tinha lá suas razões. Se os titulares não mostram, porque o reserva tem que ficar ali naquela incômoda posição eqüina? E mais: se não tem mais prego, por que mostrar? Será que ninguém ligado ao futebol ainda não pensou nisto? O americano estava certo.
Mais um pouco e ele continuou com suas observações:
- Por que o locutor diz que o jogador caiu?
- Porque caiu, uai.
- Sim, eu vi que ele caiu. É televisão. Ele não precisa me dizer. Olha lá, dizendo que o goleiro pegou a bola. Eu vi! Será que ele não pode me deixar assistir em paz? É televisão ou rádio?
Penso:
- É que antes era rádio e eles acostumaram a narrar tudo.
- Mas então alguém precisa dizer para eles que a gente não é cego. Olha lá: dizendo que foi falta. Eu vi!!!
O americano estava certo, os nossos locutores de televisão acham que estão transmitindo pelo rádio.
- Se o juiz já disse que vai ter mais três minutos de jogo, se o sujeito já levantou a placa mostrando, se lá em cima da televisão está dizendo que vamos ter três minutos de acréscimo, porque o locutor tem que avisar a gente que vamos ter mais três minutos de jogo? E precisa dizer que o jogo vai até os 48? Não é meio óbvio?
O americano estava certo.
- Outra coisa – insistiu ele – você já notou que aquele jatinho de tinta branca que ele marca o campo na hora das falas, no final do jogo não sai mais quase nada lá de dentro? É porque foram muitas faltas, ou é o tubinho dele que não cabe mais spray? Olha lá, nem dá mais para ver a marquinha. Assim a barreira vai avançar.
O americano, mais uma vez, estava certo.
Quando acabou o jogo, ele (que há havia assistido a outros jogos comigo, disse):
- Quer apostar como o repórter de campo vai perguntar o que foi que faltou ao time?
O repórter perguntou.
Mais tarde, no boteco, ele me perguntou:
- E por que todos os jogadores negros raspam a cabeça? É da regra?
terça-feira, 29 de julho de 2008
segunda-feira, 28 de julho de 2008
quarta-feira, 16 de julho de 2008
esse dá pra ler, Brudão?
Bar ruim é lindo, bicho
Por Antonio Prata
Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins.
Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de 150 anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de 150 anos, mas tudo bem).
No bar ruim que ando freqüentando nas últimas semanas o proletariado é o Betão, garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas acreditando resolver aí 500 anos de história.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar "amigos" do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.
"Ô Betão, traz mais uma pra gente", eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte do Brasil.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte do Brasil, por isso vamos a bares ruins,que tem mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gateau e não tem frango à passarinho ou carne de sol com macaxeira que são os pratos tradicionais de nossa cozinha.
Se bem que nós, meio intelectuais, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gateau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.
A gente gosta do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil.
Assim como não é qualquer bar ruim.
Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne de sol, a gente bate uma punheta ali mesmo.
Quando um de nós, meio intelectuais, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectual, meio de esquerda freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.
Porque a gente acha que o bar ruim é autêntico e o bar bom não é, como eu já disse.
O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas.
Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e nesse ponto a gente já se sente incomodado e quando chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual, nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e universitários, a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó.
Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV.
Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevete e chinelo Rider.
Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico.
E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.
Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem.
Os que entendem percebem qual é a nossa, mantém o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam em 50% o preço de tudo.
Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato.
Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae.
Aí eles se fodem, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão brasileira, tão raiz.
Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda, no Brasil!
Ainda mais porque a cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelo Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gateau pelos quatro cantos do globo.
Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda, como eu que, por questões ideológicas, preferem frango a passarinho e carne de sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca mas é como se diz lá no nordeste e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o nordeste é muito mais autêntico que o sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é mais assim Câmara Cascudo, saca?).
- Ô Betão, vê um cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?
http://www.meiointelectual.blogspot.com/
Por Antonio Prata
Eu sou meio intelectual, meio de esquerda, por isso freqüento bares meio ruins.
Não sei se você sabe, mas nós, meio intelectuais, meio de esquerda, nos julgamos a vanguarda do proletariado, há mais de 150 anos. (Deve ter alguma coisa de errado com uma vanguarda de mais de 150 anos, mas tudo bem).
No bar ruim que ando freqüentando nas últimas semanas o proletariado é o Betão, garçom, que cumprimento com um tapinha nas costas acreditando resolver aí 500 anos de história.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos ficar "amigos" do garçom, com quem falamos sobre futebol enquanto nossos amigos não chegam para falarmos de literatura.
"Ô Betão, traz mais uma pra gente", eu digo, com os cotovelos apoiados na mesa bamba de lata, e me sinto parte do Brasil.
Nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos fazer parte do Brasil, por isso vamos a bares ruins,que tem mais a cara do Brasil que os bares bons, onde se serve petit gateau e não tem frango à passarinho ou carne de sol com macaxeira que são os pratos tradicionais de nossa cozinha.
Se bem que nós, meio intelectuais, quando convidamos uma moça para sair pela primeira vez, atacamos mais de petit gateau do que de frango à passarinho, porque a gente gosta do Brasil e tal, mas na hora do vamos ver uma europazinha bem que ajuda.
A gente gosta do Brasil, mas muito bem diagramado. Não é qualquer Brasil.
Assim como não é qualquer bar ruim.
Tem que ser um bar ruim autêntico, um boteco, com mesa de lata, copo americano e, se tiver porção de carne de sol, a gente bate uma punheta ali mesmo.
Quando um de nós, meio intelectuais, meio de esquerda, descobre um novo bar ruim que nenhum outro meio intelectual, meio de esquerda freqüenta, não nos contemos: ligamos pra turma inteira de meio intelectuais, meio de esquerda e decretamos que aquele lá é o nosso novo bar ruim.
Porque a gente acha que o bar ruim é autêntico e o bar bom não é, como eu já disse.
O problema é que aos poucos o bar ruim vai se tornando cult, vai sendo freqüentado por vários meio intelectuais, meio de esquerda e universitárias mais ou menos gostosas.
Até que uma hora sai na Vejinha como ponto freqüentado por artistas, cineastas e universitários e nesse ponto a gente já se sente incomodado e quando chega no bar ruim e tá cheio de gente que não é nem meio intelectual, nem meio de esquerda e foi lá para ver se tem mesmo artistas, cineastas e universitários, a gente diz: eu gostava disso aqui antes, quando só vinha a minha turma de meio intelectuais, meio de esquerda, as universitárias mais ou menos gostosas e uns velhos bêbados que jogavam dominó.
Porque nós, meio intelectuais, meio de esquerda, adoramos dizer que freqüentávamos o bar antes de ele ficar famoso, íamos a tal praia antes de ela encher de gente, ouvíamos a banda antes de tocar na MTV.
Nós gostamos dos pobres que estavam na praia antes, uns pobres que sabem subir em coqueiro e usam sandália de couro, isso a gente acha lindo, mas a gente detesta os pobres que chegam depois, de Chevete e chinelo Rider.
Esse pobre não, a gente gosta do pobre autêntico, do Brasil autêntico.
E a gente abomina a Vejinha, abomina mesmo, acima de tudo.
Os donos dos bares ruins que a gente freqüenta se dividem em dois tipos: os que entendem a gente e os que não entendem.
Os que entendem percebem qual é a nossa, mantém o bar autenticamente ruim, chamam uns primos do cunhado para tocar samba de roda toda sexta-feira, introduzem bolinho de bacalhau no cardápio e aumentam em 50% o preço de tudo.
Eles sacam que nós, meio intelectuais, meio de esquerda, somos meio bem de vida e nos dispomos a pagar caro por aquilo que tem cara de barato.
Os donos que não entendem qual é a nossa, diante da invasão, trocam as mesas de lata por umas de fórmica imitando mármore, azulejam a parede e põem um som estéreo tocando reggae.
Aí eles se fodem, porque a gente odeia isso, a gente gosta, como já disse algumas vezes, é daquela coisa autêntica, tão brasileira, tão raiz.
Não pense que é fácil ser meio intelectual, meio de esquerda, no Brasil!
Ainda mais porque a cada dia está mais difícil encontrar bares ruins do jeito que a gente gosta, os pobres estão todos de chinelo Rider e a Vejinha sempre alerta, pronta para encher nossos bares ruins de gente jovem e bonita e a difundir o petit gateau pelos quatro cantos do globo.
Para desespero dos meio intelectuais, meio de esquerda, como eu que, por questões ideológicas, preferem frango a passarinho e carne de sol com macaxeira (que é a mesma coisa que mandioca mas é como se diz lá no nordeste e nós, meio intelectuais, meio de esquerda, achamos que o nordeste é muito mais autêntico que o sudeste e preferimos esse termo, macaxeira, que é mais assim Câmara Cascudo, saca?).
- Ô Betão, vê um cachaça aqui pra mim. De Salinas quais que tem?
http://www.meiointelectual.blogspot.com/
terça-feira, 15 de julho de 2008
- Doutor, foi o senhor que escreveu que eu não preciso soprar o bafômetro se me pararem num comando?
- Eu mesmo!
- Mas isso não seria crime de desobediência?
- Não!!!! Jamais!!!!! Constitucionalmente, você não é obrigado a produzir prova contra si mesmo!
- Entendi... então, se o guarda me pede pra parar, e eu tou bebaço, posso passar direto?
- Não!
- Mas por que? Se eu parar, vou produzir prova contra mim mesmo.
- Porque seria desobediência!
- Mas...
- Olha, tem que se usar o bom senso!
- Entendi... pediu pra parar, eu paro; pediu pra soprar, eu não sopro?
- Isso, você não é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
- Certo... mas a minha carta tá vencida, se ele pedir meus documentos eu posso me recusar a mostrar, certo? Vou produzir prova contra mim mesmo...
- Não, não, não! Você não pode dirigir com a carta vencida!
- Nem bêbado.
- Olha, é tudo uma questão de...
- Bom senso, entendi! Mas o senhor não poderia ter tido o bom senso de NÃO ESCREVER essa merda no jornal?
- Eu mesmo!
- Mas isso não seria crime de desobediência?
- Não!!!! Jamais!!!!! Constitucionalmente, você não é obrigado a produzir prova contra si mesmo!
- Entendi... então, se o guarda me pede pra parar, e eu tou bebaço, posso passar direto?
- Não!
- Mas por que? Se eu parar, vou produzir prova contra mim mesmo.
- Porque seria desobediência!
- Mas...
- Olha, tem que se usar o bom senso!
- Entendi... pediu pra parar, eu paro; pediu pra soprar, eu não sopro?
- Isso, você não é obrigado a produzir prova contra si mesmo.
- Certo... mas a minha carta tá vencida, se ele pedir meus documentos eu posso me recusar a mostrar, certo? Vou produzir prova contra mim mesmo...
- Não, não, não! Você não pode dirigir com a carta vencida!
- Nem bêbado.
- Olha, é tudo uma questão de...
- Bom senso, entendi! Mas o senhor não poderia ter tido o bom senso de NÃO ESCREVER essa merda no jornal?
domingo, 13 de julho de 2008
ééé...
Ser ou não Ser... Mas que Seja Longe de Mim
Eu sempre me perguntei onde os freqüentadores da Mostra de São Paulo se escondem durante o resto do ano. Na época da Mostra, eles podem ser encontrados ao montes na Avenida Paulista, discutindo a nova fase do cinema egípcio (isso porque acabaram de assistir ao primeiro filme egípcio de suas vidas, mas não entenderam o final direito) ou reclamando que os filmes iranianos “estão se tornando comerciais demais e perderam sua identidade criativa”.
Mas, no resto do ano, o número de intelectualóides diminui consideravelmente. Claro, alguns continuam sendo vistos nas imediações da Paulista – especialmente no Espaço Unibanco – desfilando com suas roupas que nada mais são que contradições climáticas (afinal, eles usam boina e cachecol com bermuda e papetes). Mas estes são apenas criaturas desgarradas do rebanho e não correspondem a 10% da população total de intelectualóides da cidade.
E aí cabe a pergunta: onde ficam os outros? Será que passam o ano escondidos num enorme galpão, assistindo filmes do Godard até o começo da Mostra, quando eles recebem dos seus líderes o catálogo do festival, junto com as ordens de conquistar a Avenida Paulista? Ou se organizam em pequenas células terroristas, elaborando planos mirabolantes para conquistar um Cinemark e promover um festival de cinema húngaro?
Aos poucos, tenho descoberto que eles ficam, na verdade, procurando outras formas de cultura. Cinema, para eles, só existe durante a Mostra. Nos outros meses do ano, eles dedicam-se a freqüentar peças de teatro amador, exposições de arte e leituras de poesia, sempre com aquele ar blasé de quem está absorvendo cultura e disparando seus comentários repleto de polissílabas e expressões rebuscadas, mas que normalmente tem a profundidade de um pires.
Dias desses fui ao teatro com a Sra. Gordon e uma amiga dela. Sempre gostei de teatro, mas admito que vou muito menos do que gostaria, por basicamente dois motivos: primeiro, minha conta bancária mal consegue lidar com as paixões que eu tenho (jantares, cinema, DVDs, CDs, quadrinhos etc), e uma nova paixão iria deixar meu saldo em frangalhos; segundo, meus horários de puta jornalista não permitem nem que eu tenha a certeza de vou almoçar no dia seguinte, quanto mais saber que estarei livre no dia e horário da peça.
Enfim, esta semana consegui achar uma brecha e fomos assistir a uma peça produzida por uma amiga da Sra. Gordon Mas, apesar de ter gostado do espetáculo, saí de lá com uma certeza na cabeça: o teatro brasileiro sofre de um grande problema. E este problema é o público, que está cada vez mais dominado por intelectualóides.
Claro, eu já deveria ter desconfiado de que estaria me enfiando num reduto de intelectualóides se tivesse simplesmente juntado os fatos. Na minha cabeça, eu estava apenas indo ao teatro com a namorada, mas, na verdade, eu deveria ter me preparado para ir a uma peça de teatro amador em Pinheiros – o que, no mundo dos intelectualóides, deve ser um equivalente a uma semifinal de Copa do Mundo.
Comecei a desconfiar no que havia me metido já no saguão do teatro, minutos antes da peça. Olhando ao redor, estranhei o fato de que eu – usando apenas calça jeans e uma camisa – era o homem mais bem vestido do lugar. Justo eu, que não consigo ser o homem mais bem vestido do lugar nem mesmo se colocar um smoking e ficar sozinho em casa. Estudando as pessoas do lugar, avistei uns dois pares de papetes, alguns cachecóis e – claro – uma boina. E, obviamente, uma pessoa sentada em um canto, lendo um livro arrebentado.
Todas as pistas estavam ali, na minha frente: a boina, as papetes, o livro arrebentado (intelectualóides estão sempre lendo livros caindo aos pedaços) os ares de superioridade e as olhadelas pedantes por cima dos óculos de aros grossos e vermelhos – porque nem todo mundo que usa óculos vermelhos é intelectualóide, mas todo intelectualóide usa óculos vermelhos.
Percebi o que estava acontecendo. Eu estava no meio de uma ninhada de intelectualóides.
Obviamente isso fez com que a peça (que narra três histórias diferentes e é bastante interessante, mesmo com o texto arrastado demais em um ou outro momento) saísse perdendo, já que os melhores personagens estavam na platéia e não no palco. Convenhamos, não dava nem para competir. Afinal, qual nem Shakespeare, Tennessee Williams ou Nélson Rodrigues, juntos, poderiam criar algo tão estranho quanto aquele ser que se sentou na minha frente e começou a tirar a roupa no meio da peça?
Não, não estou exagerando.
No meio da peça, a criatura, de aproximadamente sete metros de altura e pesando uns 9 kilos (eu consegui identificar como bípede; calculo que era humano, mas não sei o sexo, já que a cabeleira mostrava apenas que ele (a) era parecido (a) com o Sideshow Bob, dos Simpsons) levantou a camiseta até o meio das costas e apoiou o rosto nos joelhos, numa clara demonstração de “estou consumindo cultura, e nem o calor pode me atrapalhar neste momento”. E eu ali atrás, olhando aquelas costas “bronzeadas” e “musculosas” (vela de sete dias mode: on).
Então, ao assistir uma peça de teatro amador, você escolhe: ou senta-se na frente e corre o risco de ter que participar do show – afinal, muitas peças querem bancar as modernosas e fazem os atores interagirem com a platéia (quer a platéia queira isso ou não) – ou você se senta lá trás é obrigado a presenciar uma palmeira-albina-metida-a-cult exibindo o corpinho que Deus lhe deu porque como ela está num ambiente cultural, faz questão de mostrar a todo mundo que está se sentindo em casa. Faltou só começar a coçar as frieiras na minha frente. Ô fase.
Curioso é que olhei ao redor e os outros intelectualóides continuavam vestidos. Claro, todos faziam aquela cara de conteúdo, com o rosto apoiado em uma das mãos e o olhar perdido, mas, ainda assim, vestidos. Típico. Num lugar com 90 intelectualóides, o mais estranho deles, que tem mania de tirar a roupa no teatro, vai se sentar logo na minha frente. É sempre assim.
Passei a última meia hora da peça me controlando para não acender um cigarro – já que as pessoas podem tirar a camisa, eu posso fumar – e começar a bater as cinzas nas costas do it (porque, como eu disse, não sei ainda se ele he ou she, então vamos de it) e me concentrei na peça. E, confesso que fiquei chateado quando acabou, porque eu realmente estava gostando. Mas nem tive tempo para pensar nisso, pois, enquanto me levantava, uma mulher atrás de mim comentou com a amiga:
– Nossa, eu adorei a montagem. Como eles usaram bem a linguagem cinematográfica na narrativa, você reparou?
Deus do céu. Porque não dizer apenas que “gostei da peça”? Tem que ficar inventando teorias de linguagem para gostar do que viu? Não basta apenas dizer que “foi bem legal”? Tem que ser sempre uma narrativa aristotélica que causa uma ruptura na semiótica teatral clássica dos anos 50? Imagino uma pessoa dessas assistindo Star Wars e comentando o filme com o George Lucas depois, dizendo que:
– ... mas o que me chamou a atenção mesmo foi o foco narrativo episódico, com diálogos entrecortados e metafóricos, abordando com sutileza cortante o modo de pensar das religiões asiáticas.
E o George Lucas respondendo: “Hã... Ok”.
Sério, que povinho sacal.
Gostei da peça? Gostei. Mas isso não me impediu de voltar para casa e ler um Homem-Aranha antes de dormir, sem ficar procurando referências pictográficas aos quadros de Goya em cada quadrinho.
Falando sério, se você é metido a cult e quer mostrar que é inteligente, intelectual e escolado no mundo das artes, uma dica: fique em silêncio. Isso dá um ar intelectual indiscutível. E, mais importante, você não corre o risco de dizer bobagem, algo que, inevitavelmente, você vai dizer, no máximo, na terceira frase.
Mas, caso você queria realmente sair por aí cagando regra sobre o filme, a peça ou o livro, segue o Top 5 expressões que todo intelectualóide usa, invariavelmente, ao comentar uma obra artística:
1. “Resgate”
2. “Ruptura”
3. “Rompe os parâmetros”
4. “Brinca com os estilos”
5. “Provoca o público”
http://champ-vinyl.blogspot.com/2008/05/ser-ou-no-ser-mas-que-seja-longe-de-mim.html
Eu sempre me perguntei onde os freqüentadores da Mostra de São Paulo se escondem durante o resto do ano. Na época da Mostra, eles podem ser encontrados ao montes na Avenida Paulista, discutindo a nova fase do cinema egípcio (isso porque acabaram de assistir ao primeiro filme egípcio de suas vidas, mas não entenderam o final direito) ou reclamando que os filmes iranianos “estão se tornando comerciais demais e perderam sua identidade criativa”.
Mas, no resto do ano, o número de intelectualóides diminui consideravelmente. Claro, alguns continuam sendo vistos nas imediações da Paulista – especialmente no Espaço Unibanco – desfilando com suas roupas que nada mais são que contradições climáticas (afinal, eles usam boina e cachecol com bermuda e papetes). Mas estes são apenas criaturas desgarradas do rebanho e não correspondem a 10% da população total de intelectualóides da cidade.
E aí cabe a pergunta: onde ficam os outros? Será que passam o ano escondidos num enorme galpão, assistindo filmes do Godard até o começo da Mostra, quando eles recebem dos seus líderes o catálogo do festival, junto com as ordens de conquistar a Avenida Paulista? Ou se organizam em pequenas células terroristas, elaborando planos mirabolantes para conquistar um Cinemark e promover um festival de cinema húngaro?
Aos poucos, tenho descoberto que eles ficam, na verdade, procurando outras formas de cultura. Cinema, para eles, só existe durante a Mostra. Nos outros meses do ano, eles dedicam-se a freqüentar peças de teatro amador, exposições de arte e leituras de poesia, sempre com aquele ar blasé de quem está absorvendo cultura e disparando seus comentários repleto de polissílabas e expressões rebuscadas, mas que normalmente tem a profundidade de um pires.
Dias desses fui ao teatro com a Sra. Gordon e uma amiga dela. Sempre gostei de teatro, mas admito que vou muito menos do que gostaria, por basicamente dois motivos: primeiro, minha conta bancária mal consegue lidar com as paixões que eu tenho (jantares, cinema, DVDs, CDs, quadrinhos etc), e uma nova paixão iria deixar meu saldo em frangalhos; segundo, meus horários de puta jornalista não permitem nem que eu tenha a certeza de vou almoçar no dia seguinte, quanto mais saber que estarei livre no dia e horário da peça.
Enfim, esta semana consegui achar uma brecha e fomos assistir a uma peça produzida por uma amiga da Sra. Gordon Mas, apesar de ter gostado do espetáculo, saí de lá com uma certeza na cabeça: o teatro brasileiro sofre de um grande problema. E este problema é o público, que está cada vez mais dominado por intelectualóides.
Claro, eu já deveria ter desconfiado de que estaria me enfiando num reduto de intelectualóides se tivesse simplesmente juntado os fatos. Na minha cabeça, eu estava apenas indo ao teatro com a namorada, mas, na verdade, eu deveria ter me preparado para ir a uma peça de teatro amador em Pinheiros – o que, no mundo dos intelectualóides, deve ser um equivalente a uma semifinal de Copa do Mundo.
Comecei a desconfiar no que havia me metido já no saguão do teatro, minutos antes da peça. Olhando ao redor, estranhei o fato de que eu – usando apenas calça jeans e uma camisa – era o homem mais bem vestido do lugar. Justo eu, que não consigo ser o homem mais bem vestido do lugar nem mesmo se colocar um smoking e ficar sozinho em casa. Estudando as pessoas do lugar, avistei uns dois pares de papetes, alguns cachecóis e – claro – uma boina. E, obviamente, uma pessoa sentada em um canto, lendo um livro arrebentado.
Todas as pistas estavam ali, na minha frente: a boina, as papetes, o livro arrebentado (intelectualóides estão sempre lendo livros caindo aos pedaços) os ares de superioridade e as olhadelas pedantes por cima dos óculos de aros grossos e vermelhos – porque nem todo mundo que usa óculos vermelhos é intelectualóide, mas todo intelectualóide usa óculos vermelhos.
Percebi o que estava acontecendo. Eu estava no meio de uma ninhada de intelectualóides.
Obviamente isso fez com que a peça (que narra três histórias diferentes e é bastante interessante, mesmo com o texto arrastado demais em um ou outro momento) saísse perdendo, já que os melhores personagens estavam na platéia e não no palco. Convenhamos, não dava nem para competir. Afinal, qual nem Shakespeare, Tennessee Williams ou Nélson Rodrigues, juntos, poderiam criar algo tão estranho quanto aquele ser que se sentou na minha frente e começou a tirar a roupa no meio da peça?
Não, não estou exagerando.
No meio da peça, a criatura, de aproximadamente sete metros de altura e pesando uns 9 kilos (eu consegui identificar como bípede; calculo que era humano, mas não sei o sexo, já que a cabeleira mostrava apenas que ele (a) era parecido (a) com o Sideshow Bob, dos Simpsons) levantou a camiseta até o meio das costas e apoiou o rosto nos joelhos, numa clara demonstração de “estou consumindo cultura, e nem o calor pode me atrapalhar neste momento”. E eu ali atrás, olhando aquelas costas “bronzeadas” e “musculosas” (vela de sete dias mode: on).
Então, ao assistir uma peça de teatro amador, você escolhe: ou senta-se na frente e corre o risco de ter que participar do show – afinal, muitas peças querem bancar as modernosas e fazem os atores interagirem com a platéia (quer a platéia queira isso ou não) – ou você se senta lá trás é obrigado a presenciar uma palmeira-albina-metida-a-cult exibindo o corpinho que Deus lhe deu porque como ela está num ambiente cultural, faz questão de mostrar a todo mundo que está se sentindo em casa. Faltou só começar a coçar as frieiras na minha frente. Ô fase.
Curioso é que olhei ao redor e os outros intelectualóides continuavam vestidos. Claro, todos faziam aquela cara de conteúdo, com o rosto apoiado em uma das mãos e o olhar perdido, mas, ainda assim, vestidos. Típico. Num lugar com 90 intelectualóides, o mais estranho deles, que tem mania de tirar a roupa no teatro, vai se sentar logo na minha frente. É sempre assim.
Passei a última meia hora da peça me controlando para não acender um cigarro – já que as pessoas podem tirar a camisa, eu posso fumar – e começar a bater as cinzas nas costas do it (porque, como eu disse, não sei ainda se ele he ou she, então vamos de it) e me concentrei na peça. E, confesso que fiquei chateado quando acabou, porque eu realmente estava gostando. Mas nem tive tempo para pensar nisso, pois, enquanto me levantava, uma mulher atrás de mim comentou com a amiga:
– Nossa, eu adorei a montagem. Como eles usaram bem a linguagem cinematográfica na narrativa, você reparou?
Deus do céu. Porque não dizer apenas que “gostei da peça”? Tem que ficar inventando teorias de linguagem para gostar do que viu? Não basta apenas dizer que “foi bem legal”? Tem que ser sempre uma narrativa aristotélica que causa uma ruptura na semiótica teatral clássica dos anos 50? Imagino uma pessoa dessas assistindo Star Wars e comentando o filme com o George Lucas depois, dizendo que:
– ... mas o que me chamou a atenção mesmo foi o foco narrativo episódico, com diálogos entrecortados e metafóricos, abordando com sutileza cortante o modo de pensar das religiões asiáticas.
E o George Lucas respondendo: “Hã... Ok”.
Sério, que povinho sacal.
Gostei da peça? Gostei. Mas isso não me impediu de voltar para casa e ler um Homem-Aranha antes de dormir, sem ficar procurando referências pictográficas aos quadros de Goya em cada quadrinho.
Falando sério, se você é metido a cult e quer mostrar que é inteligente, intelectual e escolado no mundo das artes, uma dica: fique em silêncio. Isso dá um ar intelectual indiscutível. E, mais importante, você não corre o risco de dizer bobagem, algo que, inevitavelmente, você vai dizer, no máximo, na terceira frase.
Mas, caso você queria realmente sair por aí cagando regra sobre o filme, a peça ou o livro, segue o Top 5 expressões que todo intelectualóide usa, invariavelmente, ao comentar uma obra artística:
1. “Resgate”
2. “Ruptura”
3. “Rompe os parâmetros”
4. “Brinca com os estilos”
5. “Provoca o público”
http://champ-vinyl.blogspot.com/2008/05/ser-ou-no-ser-mas-que-seja-longe-de-mim.html
quinta-feira, 10 de julho de 2008
sábado, 5 de julho de 2008
um relato...
Sabado de manha, entro no metrô e sento-me em um banco. No mesmo instante, entra um maluco com uma sacola na mão e começa a vender balinhas. Logo após entra um menino de uns 8 anos (que mais tarde descobri ser filho do maluco) com uma sacola idêntica. Ao perceber a chegada do menino, o malucao conversa com ele e encosta na porta, enquanto o filho continua a vender as balas. O maluco retira do bolso um celular todo equipado (com câmera, mp3, tela colorida, etc.), liga um fone e começa a escutar música. E o filhao ainda vendendo as balas...
...
Pegando agora um gancho forçado no post abaixo, na questao da "evolução" ao longo da historia:
Nao é espantoso ver uma criança trabalhando, forçada pelos pais? e saber que o suado dinheiro ganho com as balas é utilizado pra comprar um celular com mil e uma opcoes?
o tal menino provavelmente nao estuda, só trabalha. Provavelmente nunca ira saber de que modo a america foi descoberta, ou mesmo se vive no feudalismo ou no capitalismo. Seus pais provavelmente nao tiveram melhor sorte. Mas todos eles acreditam que vivem muito melhor, porque têm aquele aparelho super moderno e útil qua aparece nas propagandas e que o pessoal usa nas novelas...
Que tipo de evolução houve do feudalismo pra cá?
...
Pegando agora um gancho forçado no post abaixo, na questao da "evolução" ao longo da historia:
Nao é espantoso ver uma criança trabalhando, forçada pelos pais? e saber que o suado dinheiro ganho com as balas é utilizado pra comprar um celular com mil e uma opcoes?
o tal menino provavelmente nao estuda, só trabalha. Provavelmente nunca ira saber de que modo a america foi descoberta, ou mesmo se vive no feudalismo ou no capitalismo. Seus pais provavelmente nao tiveram melhor sorte. Mas todos eles acreditam que vivem muito melhor, porque têm aquele aparelho super moderno e útil qua aparece nas propagandas e que o pessoal usa nas novelas...
Que tipo de evolução houve do feudalismo pra cá?
Pauleta de volta...
Necessidade de desmantelar o sistema de ensino!!!
Baseando-se nos materiais didáticos utilizados nos sistemas de ensino mais renomados dos cursos de ensino médio e pré – vestibulares freqüentados pelas classes médias e altas, podemos verificar que a História ensinada é direcionada apenas para a formação de seres com concepções estritamente econômicas, taxativas, truncadas e sem a mínima valorização do espírito crítico e do estudo entusiasmado da personalidade humana.
Não que o estudo econômico não seja importante, mas a maneira como é ensinada a História, nessas maçantes apostilas de colegial, condiciona o indivíduo na impressão de que não existem pessoas com desejos ardentes e latentes movendo a história e sim apenas estados, crises e sistemas, e também não nos deixa imaginar que existissem humanos – históricos e atuais – com pensamentos próprios, peculiares e criativos, extrínsecos à grande máquina de encadeamentos técnicos.
Ao estudarmos, por meio do ensino mencionado, a “descoberta” do Brasil e América, temos muitas páginas falando sobre transição do feudalismo para o capitalismo, as crises que atingiram a Europa no início do século XV, a ascensão da burguesia, o crescimento urbano e muito pouco, ou quase nada, se menciona os ideais filosóficos do humanismo renascentista que valorizava o crescimento do homem e do seu mundo, o espírito de aventura e curiosidade pelo desconhecido dos navegantes e os nítidos impulsos místicos e religiosos.
Os vários parágrafos que tratam sobre os motivos políticos e econômicos são extremamente técnicos e, dessa forma, nos põe de lado a consciência do quando é fundamental a inspirada tentativa de desvendar os movimentos mentais, passionais, fetichistas, e meramente psicológico por trás de cada ação ocorrida.
O antropólogo contemporâneo Gustavo Steinberg, que estuda a Teoria das Redes (os fatores sociais a partir das redes de interesses), acredita que os interesses de cada humano, dos mais singulares possíveis, moldam a estrutura econômica com muito mais eficiência do que a simples dicotomia das classes sociais. Não que a monstruosa exploração do homem pelo homem e as injustiças não sejam reais deveras, mas somos compelidos a falar das diferenças sociais como o único viés possível para compreender o ser humano. Esse viés, quando é único, atrapalha nossa sensibilidade para o aprofundamento na complexidade da personalidade. Há uma série de elementos na memória individual de cada indivíduo que compõem nossas fantasias e desejos em relação aos objetos e às pessoas ao nosso redor. Dessa forma, mesmo um sujeito que esteja passando fome, ao pensar no feijão, ele não pensa apenas em saciar a fome, ele pensa em determinado tempero para a comida, nas pessoas que lhe faziam companhia quando ele podia alimentar-se, e enfim... Conclui-se, então, que somos seres fetichistas.
O fetiche é um fator de grande importância que tanto nos faz bem para nos estimular à criatividade e nos fazer seres únicos quanto nos torna imaturamente suscetíveis, obviamente que de maneira nada saudável e bem próxima à patologia do consumismo, aos slogans e propagandas capitalistas.
É claro que em se tratando da Europa no século XV estamos falando de um mundo e contexto distantes do neoliberalismo acirrado e da globalização mentora de propagandas chamativas estimulante do culto às marcas e aos logotipos, mas, mesmo assim, será que o fetiche intrínseco ao culto da busca por status, posições sociais privilegiadas, píncaros hierárquicos não é um fator relevante que acompanha o humano desde os primórdios? E não seria ele um fato real – mesmo que ele ocorra de forma distinta da obcecação imatura de hoje pelos produtos atuais, que são muito mais o desejo imposto propaganda do que a utilidade em si – na motivação do Europeu na descoberta da América? Será que existe grande diferença na estrutura da personalidade humana seja dos antigos gregos e egípcios, seja do homem da idade média, seja do homem atual? Houve algum tipo de evolução e modificação?
O estudo condicionado mencionado da História tenciona nos deixar susceptível a ter uma estreita visão de que existe certa forma de evolução na transição de um sistema para o outro, ficamos compelidos a acreditar, por exemplo, que o capitalismo é superior ao feudalismo e, por conseguinte, apresenta menos injustiças. Que o humano que escravizava já não escraviza... Mas isso é mesmo uma verdade?
Não. Uma mínima consciência nos faz ver que não houve evolução no altruísmo e benevolência no que compõe a estrutura da sociedade: a exploração do homem pelo homem continua da mesma forma voraz que havia na Antigüidade; temos, na atualidade, a escravidão infantil na confecção de tênis depois vendidos por lucros exorbitantes e também venda de mão de obra demasiadamente baratas, de maneira que possibilite o sujeito explorado a manter a sobrevivência e nada mais. A escravidão não se extinguiu.
Somos seres exploradores desde quando o homem racional existe, portanto, não houve grandes modificações de personalidade através da história e nem uma evolução positiva na benevolência humana.Somos tanto seres exploradores como também místicos e fetichistas, e, por conseguinte, criativos e criadores. Nossas produções artísticas e intelectuais não são sempre as mesmas. Não que haja evolução, mas há, sim, acúmulos e expansões de artes de todas as espécies. O que diferencia um ser de muitos séculos atrás de um ser atual é o estilo de sua produção cultural.
Mas o sistema de ensino atual, que impera como reflexo do hediondo sistema capitalista, nos priva a ciência desse fato luzidio e impregna aos seus discentes pouco lúcidos a crença de que os motivos lúdicos, a imaginação rebuscada, o imaginário, os anelos passionais, a busca pelo desconhecido, o instinto do novo, aguçado pela curiosidade ardente do inefável, que tanto tiveram influência na Europa na época descoberta da América, são fatores irrelevantes que merecem não mais do que a vaga inferência de que esses são fatos que foram ínfimos modificadores do curso da História.
E também não é estimulada nenhuma tentativa de desvendar o verdadeiro sentido da intensidade do impulso pela aventura marítima que, para o historiador Bóris Fausto, “não é possível tentar entendê-la com olhos de hoje”, em uma época em que “estávamos muito distantes de um mundo inteiramente conhecido, fotografado por satélites, oferecido ao desfrute por pacotes de turismo. Havia continentes mal ou inteiramente desconhecidos, oceanos inteiros ainda não atravessados. As chamadas regiões ignotas concentravam a imaginação dos povos europeus, que aí vislumbravam, conforme o caso, reinos fantásticos, habitantes monstruosos, a sede do paraíso terrestre”.
Bóris Fausto conta ainda que “Colombo pensava que, mais para o interior da terra por ele descoberta, encontraria homens de um só olho e outros com focinho de cachorro. Ele dizia ter vistos três sereias pularem para fora do mar, decepcionado com seu rosto: não eram tão belas quanto ele imaginara. Em uma de suas cartas, referia-se às pessoas que, na direção do poente, nasciam com rabo. Em 1487, quando deixaram Portugal encarregados de descobrir o caminho terrestre para as Índias, Afonso de Paiva e Pero da Covilhã levavam instruções de Dom João II para localizar o reino do Preste João. A lenda do Preste João, descendentes dos Reis Magos e inimigo ferrenho dos muçulmanos, fazia parte do imaginário europeu desde pelo menos meados do século XII. Ela se constitui a partir de um dado real – a existência da Etiópia, no leste da África, onde vivia uma população negra que adotara um ramo do cristianismo”.
Isso nos faz ver que não apenas a economia que move a História, como também os anseios pelo lúdico e a busca pelo desconhecido. Mas se alguns historiadores, embora com a consciência de que não devemos tomar os fatores aventureiros como fantasias desprezíveis, são crentes de que “não há dúvida de que o interesse material prevaleceu”, outros não são mais cabais a considerar a História movida por aspectos místicos do desejo humano.
Um grande exemplo é o autor citado no prefácio do livro de Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso que acredita que tal visão foi “principalmente responsável pela grande ênfase atribuída na época do Renascimento à natureza como norma dos padrões estéticos, dos padrões éticos e morais, do comportamento dos homens, de sua organização social e política”.
E, além disso, questiona se “os motivos edênicos não poderiam dar margem a uma ampla teoria, onde toda a História encontraria a sua explicação”.
Nada aprendemos na escola sobre a esperança do Europeu do encontro do Jardim do Éden ou sobre o que Colombo esperava aqui encontrar na América. Quando há a pequena menção das motivações humanas é, na maioria das vezes, os motivos totalmente econômicos e políticos da Coroa européia.
É lógico que não pode se negar que esses motivos existiram e tiveram influência indelével, mesmo assim, nesse estudo, não é esmiuçada e aprofundada a tentativa de cavoucar o verdadeiro pensamento do rei ou da rainha por trás do investimento e financiamento das grandes viagens marítimas.
O sistema de ensino esquizofrênico, que despreza da História os seus mais ricos aspectos humanísticos e culturais, e professores atuando como pessoas automaticamente condicionadas na missão psicótica e obcecadas em fazer com que os seus aprendizes repitam informações como fórmulas matemáticas sem desenvolver a liberdade de questionamento e a valorização da singularidade do cérebro de cada ser vivo – históricos e contemporâneos – como grandes modificadores da estrutura da sociedade, é reflexo do capitalismo vigente que opera como uma grande e eficiente máquina que tenciona moldar cada humano como uma peça que opera para a manutenção do funcionamento do grande aparelho que esteia o sistema.
Desde que existem pessoas no mundo, em cada momento histórico, houve um sistema operando como a grande máquina e suas peças em funcionamento. O que nos é induzido a estudar são as ações da peça em funcionamento eficaz e não a estrutura consciente e inconsciente de cada uma delas.
Mas, sempre existiu, e sempre existirá, aquelas peças que, por ter desenvolvido a consciência, pára de funcionar e passa a ser um pensamento por si só e não mais uma peça que apenas contribui com a grande máquina.É certo que o atual sistema econômico funciona eficazmente porque a maioria dos indivíduos opera nele sem questionamento e, quando ele há, sem grande avidez para a mudança. São apenas as raras peças fora do eixo que adquirem lucidez e inspiração para pesquisar e ser capaz de traçar uma História distinta daquela que nós nos acostumamos a absorver.
Esse ensaio foi um seminário apresentado por mim, Paula Cicolin, na disciplina História da América na Universidade Federal de São Paulo.
Baseando-se nos materiais didáticos utilizados nos sistemas de ensino mais renomados dos cursos de ensino médio e pré – vestibulares freqüentados pelas classes médias e altas, podemos verificar que a História ensinada é direcionada apenas para a formação de seres com concepções estritamente econômicas, taxativas, truncadas e sem a mínima valorização do espírito crítico e do estudo entusiasmado da personalidade humana.
Não que o estudo econômico não seja importante, mas a maneira como é ensinada a História, nessas maçantes apostilas de colegial, condiciona o indivíduo na impressão de que não existem pessoas com desejos ardentes e latentes movendo a história e sim apenas estados, crises e sistemas, e também não nos deixa imaginar que existissem humanos – históricos e atuais – com pensamentos próprios, peculiares e criativos, extrínsecos à grande máquina de encadeamentos técnicos.
Ao estudarmos, por meio do ensino mencionado, a “descoberta” do Brasil e América, temos muitas páginas falando sobre transição do feudalismo para o capitalismo, as crises que atingiram a Europa no início do século XV, a ascensão da burguesia, o crescimento urbano e muito pouco, ou quase nada, se menciona os ideais filosóficos do humanismo renascentista que valorizava o crescimento do homem e do seu mundo, o espírito de aventura e curiosidade pelo desconhecido dos navegantes e os nítidos impulsos místicos e religiosos.
Os vários parágrafos que tratam sobre os motivos políticos e econômicos são extremamente técnicos e, dessa forma, nos põe de lado a consciência do quando é fundamental a inspirada tentativa de desvendar os movimentos mentais, passionais, fetichistas, e meramente psicológico por trás de cada ação ocorrida.
O antropólogo contemporâneo Gustavo Steinberg, que estuda a Teoria das Redes (os fatores sociais a partir das redes de interesses), acredita que os interesses de cada humano, dos mais singulares possíveis, moldam a estrutura econômica com muito mais eficiência do que a simples dicotomia das classes sociais. Não que a monstruosa exploração do homem pelo homem e as injustiças não sejam reais deveras, mas somos compelidos a falar das diferenças sociais como o único viés possível para compreender o ser humano. Esse viés, quando é único, atrapalha nossa sensibilidade para o aprofundamento na complexidade da personalidade. Há uma série de elementos na memória individual de cada indivíduo que compõem nossas fantasias e desejos em relação aos objetos e às pessoas ao nosso redor. Dessa forma, mesmo um sujeito que esteja passando fome, ao pensar no feijão, ele não pensa apenas em saciar a fome, ele pensa em determinado tempero para a comida, nas pessoas que lhe faziam companhia quando ele podia alimentar-se, e enfim... Conclui-se, então, que somos seres fetichistas.
O fetiche é um fator de grande importância que tanto nos faz bem para nos estimular à criatividade e nos fazer seres únicos quanto nos torna imaturamente suscetíveis, obviamente que de maneira nada saudável e bem próxima à patologia do consumismo, aos slogans e propagandas capitalistas.
É claro que em se tratando da Europa no século XV estamos falando de um mundo e contexto distantes do neoliberalismo acirrado e da globalização mentora de propagandas chamativas estimulante do culto às marcas e aos logotipos, mas, mesmo assim, será que o fetiche intrínseco ao culto da busca por status, posições sociais privilegiadas, píncaros hierárquicos não é um fator relevante que acompanha o humano desde os primórdios? E não seria ele um fato real – mesmo que ele ocorra de forma distinta da obcecação imatura de hoje pelos produtos atuais, que são muito mais o desejo imposto propaganda do que a utilidade em si – na motivação do Europeu na descoberta da América? Será que existe grande diferença na estrutura da personalidade humana seja dos antigos gregos e egípcios, seja do homem da idade média, seja do homem atual? Houve algum tipo de evolução e modificação?
O estudo condicionado mencionado da História tenciona nos deixar susceptível a ter uma estreita visão de que existe certa forma de evolução na transição de um sistema para o outro, ficamos compelidos a acreditar, por exemplo, que o capitalismo é superior ao feudalismo e, por conseguinte, apresenta menos injustiças. Que o humano que escravizava já não escraviza... Mas isso é mesmo uma verdade?
Não. Uma mínima consciência nos faz ver que não houve evolução no altruísmo e benevolência no que compõe a estrutura da sociedade: a exploração do homem pelo homem continua da mesma forma voraz que havia na Antigüidade; temos, na atualidade, a escravidão infantil na confecção de tênis depois vendidos por lucros exorbitantes e também venda de mão de obra demasiadamente baratas, de maneira que possibilite o sujeito explorado a manter a sobrevivência e nada mais. A escravidão não se extinguiu.
Somos seres exploradores desde quando o homem racional existe, portanto, não houve grandes modificações de personalidade através da história e nem uma evolução positiva na benevolência humana.Somos tanto seres exploradores como também místicos e fetichistas, e, por conseguinte, criativos e criadores. Nossas produções artísticas e intelectuais não são sempre as mesmas. Não que haja evolução, mas há, sim, acúmulos e expansões de artes de todas as espécies. O que diferencia um ser de muitos séculos atrás de um ser atual é o estilo de sua produção cultural.
Mas o sistema de ensino atual, que impera como reflexo do hediondo sistema capitalista, nos priva a ciência desse fato luzidio e impregna aos seus discentes pouco lúcidos a crença de que os motivos lúdicos, a imaginação rebuscada, o imaginário, os anelos passionais, a busca pelo desconhecido, o instinto do novo, aguçado pela curiosidade ardente do inefável, que tanto tiveram influência na Europa na época descoberta da América, são fatores irrelevantes que merecem não mais do que a vaga inferência de que esses são fatos que foram ínfimos modificadores do curso da História.
E também não é estimulada nenhuma tentativa de desvendar o verdadeiro sentido da intensidade do impulso pela aventura marítima que, para o historiador Bóris Fausto, “não é possível tentar entendê-la com olhos de hoje”, em uma época em que “estávamos muito distantes de um mundo inteiramente conhecido, fotografado por satélites, oferecido ao desfrute por pacotes de turismo. Havia continentes mal ou inteiramente desconhecidos, oceanos inteiros ainda não atravessados. As chamadas regiões ignotas concentravam a imaginação dos povos europeus, que aí vislumbravam, conforme o caso, reinos fantásticos, habitantes monstruosos, a sede do paraíso terrestre”.
Bóris Fausto conta ainda que “Colombo pensava que, mais para o interior da terra por ele descoberta, encontraria homens de um só olho e outros com focinho de cachorro. Ele dizia ter vistos três sereias pularem para fora do mar, decepcionado com seu rosto: não eram tão belas quanto ele imaginara. Em uma de suas cartas, referia-se às pessoas que, na direção do poente, nasciam com rabo. Em 1487, quando deixaram Portugal encarregados de descobrir o caminho terrestre para as Índias, Afonso de Paiva e Pero da Covilhã levavam instruções de Dom João II para localizar o reino do Preste João. A lenda do Preste João, descendentes dos Reis Magos e inimigo ferrenho dos muçulmanos, fazia parte do imaginário europeu desde pelo menos meados do século XII. Ela se constitui a partir de um dado real – a existência da Etiópia, no leste da África, onde vivia uma população negra que adotara um ramo do cristianismo”.
Isso nos faz ver que não apenas a economia que move a História, como também os anseios pelo lúdico e a busca pelo desconhecido. Mas se alguns historiadores, embora com a consciência de que não devemos tomar os fatores aventureiros como fantasias desprezíveis, são crentes de que “não há dúvida de que o interesse material prevaleceu”, outros não são mais cabais a considerar a História movida por aspectos místicos do desejo humano.
Um grande exemplo é o autor citado no prefácio do livro de Sérgio Buarque de Holanda, Visão do Paraíso que acredita que tal visão foi “principalmente responsável pela grande ênfase atribuída na época do Renascimento à natureza como norma dos padrões estéticos, dos padrões éticos e morais, do comportamento dos homens, de sua organização social e política”.
E, além disso, questiona se “os motivos edênicos não poderiam dar margem a uma ampla teoria, onde toda a História encontraria a sua explicação”.
Nada aprendemos na escola sobre a esperança do Europeu do encontro do Jardim do Éden ou sobre o que Colombo esperava aqui encontrar na América. Quando há a pequena menção das motivações humanas é, na maioria das vezes, os motivos totalmente econômicos e políticos da Coroa européia.
É lógico que não pode se negar que esses motivos existiram e tiveram influência indelével, mesmo assim, nesse estudo, não é esmiuçada e aprofundada a tentativa de cavoucar o verdadeiro pensamento do rei ou da rainha por trás do investimento e financiamento das grandes viagens marítimas.
O sistema de ensino esquizofrênico, que despreza da História os seus mais ricos aspectos humanísticos e culturais, e professores atuando como pessoas automaticamente condicionadas na missão psicótica e obcecadas em fazer com que os seus aprendizes repitam informações como fórmulas matemáticas sem desenvolver a liberdade de questionamento e a valorização da singularidade do cérebro de cada ser vivo – históricos e contemporâneos – como grandes modificadores da estrutura da sociedade, é reflexo do capitalismo vigente que opera como uma grande e eficiente máquina que tenciona moldar cada humano como uma peça que opera para a manutenção do funcionamento do grande aparelho que esteia o sistema.
Desde que existem pessoas no mundo, em cada momento histórico, houve um sistema operando como a grande máquina e suas peças em funcionamento. O que nos é induzido a estudar são as ações da peça em funcionamento eficaz e não a estrutura consciente e inconsciente de cada uma delas.
Mas, sempre existiu, e sempre existirá, aquelas peças que, por ter desenvolvido a consciência, pára de funcionar e passa a ser um pensamento por si só e não mais uma peça que apenas contribui com a grande máquina.É certo que o atual sistema econômico funciona eficazmente porque a maioria dos indivíduos opera nele sem questionamento e, quando ele há, sem grande avidez para a mudança. São apenas as raras peças fora do eixo que adquirem lucidez e inspiração para pesquisar e ser capaz de traçar uma História distinta daquela que nós nos acostumamos a absorver.
Esse ensaio foi um seminário apresentado por mim, Paula Cicolin, na disciplina História da América na Universidade Federal de São Paulo.
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