segunda-feira, 24 de setembro de 2007

biografia de um moleque

Nasceu. Que felicidade! O parto foi normal. O pai chamou os amigos e os irmãos (agora tios) para fumarem um charuto como forma de comemoração. A avó abriu duas coisas: uma garrafa de champagne, e uma poupança no Banco do Brasil para o recém-chegado. A mãe estava exausta e só queria descansar com sua criança por perto. Tudo certo. “Tudo perfeito”, foi o que disse o novo pai para os familiares da mãe que ligaram no seu celular. Sapatinhos, roupinhas e brinquedinhos aguardavam o moleque no quarto azul. Chegou. Já está dormindo no quarto azul. Muita gente visitando, e mais sapatinhos, roupinhas e brinquedinhos.
Foi pra escola cedo, a mãe e o pai precisavam trabalhar. Na escola sempre brincava com os amiguinhos. Tomava um suco no recreio, de caju ou maracujá. Via os mais velhos estourando a embalagem de outros sucos: eles terminavam, deixavam a embalagem estufada soprando pelo canudo, colocavam no chão, pisavam com toda a força, e o barulho de uma bomba soava no pátio da escola. Quis fazer igual. Não conseguiu. Ainda não tinha habilidade com as pernas, tampouco força nelas. Estudou sempre na mesma escola.
Agora um pouco mais velho, já conseguia estourar embalagens de suco, mas não tinha tanta graça. O moleque não levava mais suco de casa. Agora comprava lanche na cantina da escola. Irritava-se com o preço dos salgadinhos, não por que eram caros, mas porque era sempre um valor quebrado, e ele se embaralhava com o troco. Quando sua calça não tinha bolso, aí ele se irritava mais do que o normal, sua cabeça coçava.
Sua mãe resolveu colocá-lo numa escola de desenho, alegando que o moleque sempre gostou de rabiscar, desde que nasceu. O pai não pensou muito no assunto e fingiu achar uma ótima idéia. O moleque foi feliz à primeira aula. Estava mais contente com a caixa de lápis de cor nova. Era bonita, colorida, e havia um desenho de uma ave qualquer. O professor “parecia levar jeito com criança”, dizia a mãe ao pai. As aulas de desenho não duraram mais que um semestre. O professor se mudou. O moleque nunca mais o viu.
Na escola o moleque era mais ou menos. Às vezes não fazia lições, e sua mãe assinava um “bilhetinho” com cara feia. O pai era mais bravo, mas nem sempre ficava sabendo dos bilhetinhos enviados pela professora. As notas às vezes caíam, e o moleque pegava umas recuperações. Nada de mais.
Agora foi a vez do pai metê-lo em alguma coisa. Catecismo. O moleque achava um saco. Quando seu pai o perguntou se ele estava gostando, respondeu que mais ou menos. O pai riu. O moleque o olhou com cara de bobo, e então o pai se explicou. Disse que era assim mesmo, e que no futuro ele perceberia que foi bom. O moleque odiou essa resposta, e não falou mais nada sobre o assunto.
A casa do moleque está passando por uma reforma agora. No meio da confusão, ele pediu que seu quarto deixasse de ser azul. Ele foi atendido. Seu quarto agora era branco.
O moleque agora já era grande, e tanto o pai quanto a mãe concordaram em deixá-lo ir sozinho pra escola. O moleque já pedia isso há algum tempo. Ele não tinha amigos na vizinhança. Os poucos que tinha, eram da escola.

A rotina era praticamente a mesma. Só que agora ele ficava bêbado. Fumava às vezes. Tinha vontade de comer quase todas as meninas. O problema é que nenhuma delas queria dar pro moleque. Não que ele tenha tentado. Mas ele sabia que não. Isso a masturbação resolvia temporariamente. Temporariamente.
O moleque conhecia um cara na rua de baixo da sua casa que arranjava maconha. Algumas vezes chegou a pedir pro rapaz. Poucas vezes. Um companheiro de classe do moleque ficou sabendo desse esquema. Contou pros outros companheiros de classe, que pediram pro moleque trazer a maconha pra todo mundo. Ele não gostou muito da idéia, mas não discordou. Pronto. A droga já estava na mochila, como era pra todo mundo, era grande. Do tamanho de um limão. Era só entregar no dia seguinte pra cambada.
O moleque saiu de casa. Tinha ido comer alguma coisa na rua. Quando chegou encontrou sua mãe aos berros. Tinha fuçado na sua mochila. Nesse instante passavam mil coisas na cabeça do moleque. Se ele tentasse verbalizar o que sentia ao ouvir os gritos da sua mãe não conseguiria. A única coisa que ele tinha certeza de que estava sentindo era preguiça. Ele sabia que tinha se complicado. Queria fechar os olhos e dormir. Queria só isso naquele demorado instante. Não queria pensar no que ia acontecer com ele depois da maldita curiosidade da mãe. Simplesmente queria que passasse um ano em um minuto. Pra ele não passar por mais preguiça e sei lá o que. Na hora do desespero, contou que ia levar pros seus amigos. A mãe contou pra todas as outras mães.
Então seus companheiros de classe passaram a odiá-lo. Agora o moleque estava além de fudido em casa, com raiva. Raiva daqueles frouxos. O moleque se arrependeu sim, de ter dito a mãe que a maconha era pros seus amigos. Mas isso não bastava para controlar sua raiva.
Deitou. Dormiu.

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